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Uma coisa que ainda tento aprender, num árduo processo de tentar amadurecer, é brigar menos. Principalmente, diminuir a belicosidade junto às relações que envolvem meus filhos. Algo sadio e necessário. Lembro que, no auge dos meus 20 anos, pai recente de Maria, as brigas eram muitas. Talvez pela primeira paternidade, pela ânsia de achar que […]

Uma coisa que ainda tento aprender, num árduo processo de tentar amadurecer, é brigar menos. Principalmente, diminuir a belicosidade junto às relações que envolvem meus filhos. Algo sadio e necessário.

Lembro que, no auge dos meus 20 anos, pai recente de Maria, as brigas eram muitas. Talvez pela primeira paternidade, pela ânsia de achar que tudo se resumiria àquele momento, acabava tentando me impor em coisas sempre pequenas, mas que se transformavam em monstros na minha jovem cabeça.

Atraso na hora da entrega da pequena? Briga.

Só vou poder pegá-la amanhã? Briga.

Tenho que devolver mais cedo? Briga.

Hoje, percebo que nada disso era grande coisa. Que os minutos a menos, os dias a menos, não representaram nada junto a uma convivência maravilhosa que já vai para fabulosos 19 anos de sermos pai e filha.

Mas, como explicar isso ao cara que fui lá atrás?

Acho que a percepção de que as coisas devem ser mais simples veio com o tempo e com o aparecimento de novas e complexas relações.

Eu e a mãe de Carlos nos separamos quando ele ainda era muito pequeno. Por questões imperiosas de trabalho, às quais não podia ou devia escapar, Carlos e sua mãe se mudaram, logo depois do divórcio, para a distante cidade de Redenção, no sul do Estado do Pará, onde as visitas eram sempre complicadas.

E, de lá, pouco tempo depois, foram morar em Macapá, ainda por questões profissionais. Carlos só voltou a morar em Belém nesse pandêmico ano de 2020, por progressão funcional da mãe.

Significa dizer que, de seus curtos 12 anos, pouco convivi com a infância de meu filho de forma constante. Houve as muitas vezes em que ele esteve aqui, as vezes em que fui a seu encontro e as tantas vezes em que viajamos. Mas, no geral, não tivemos aquele convívio diário e me ressinto disso.

Felizmente a distância também traz aprendizados.

Quando você percebe a relatividade do tempo, ou o amor inexpugnável entre pai e filho, que não cede à distância se há amor, você simplesmente fortalece na certeza de que nada se perde, mesmo que te subtraiam alguns breves minutos em uma entrega, ou um meio dia de volta antecipada.

Mas aprendizado mesmo surgiu com Letícia, num enredo que, ainda hoje, me faz arrepiar a alma.

Letícia partiu para Florianópolis no dezembro chuvoso de 2014. Ela iria completar dois anos e não tive chance de me despedir.

A certeza de que o afastamento seria duro surgiu em um saguão de aeroporto, a notícia dada pelo atendente de uma companhia aérea que, ao ver meu choro sentido, um quase urro de dor, só conseguiu me dar um copo de água e me olhar com olhos piedosos.

Sorte que, pelas enormes coincidências da vida, naquele momento acabei por encontrar pessoas queridas que estavam de passagem e puderam me acolher no pranto.

Depois disso, só fui rever minha filha em outubro de 2016, sem saber se lembraria de mim, sem imaginar como seria o reencontro.

Para minha surpresa, a mesma ansiedade que havia aqui também existia dentro do peito da menina de quase 4 anos que me olhava fixamente, buscando decorar cada detalhe de meu rosto, como se decidida a jamais esquecer.

A complexidade da distância se revelava em pequenos detalhes. Por exemplo, Letícia não sabia meu nome. Eu era simplesmente “papai”, sem nome ou apelido, o que descobri após uma pergunta não planejada, após resposta de sorriso estranho.

Outra:

Letícia não tinha pleno conhecimento de que seu nome também era composto pelo meu sobrenome. Para ela, só havia um lado do fato, realidade que foi sendo desfeita em idas a cada três ou quatro meses a Florianópolis, uma construção de lar feita em impessoais quartos de hotel de uma cidade desconhecida.

Retornar à normalidade não foi simples. Ainda é caminho que se trilha com muito amor, cuidado e respeito. Mas, há uma pergunta que ouço sempre:

“Não tens raiva?”

E a resposta será, sempre, “Não.”

Talvez o Fernando de 20 e poucos anos, recém pai de Maria, tivesse; e brigasse e buscasse retribuir nas mesmas moedas, mas não o Fernando de hoje – e gostaria muito de voltar no tempo e ter essa conversa com meu outro eu, mais novo.

Não tenho raiva e nem busco qualquer retorno, pois, em tudo, minha filha estará envolvida e acabará por sofrer – e isso não quero.

Jamais.

E não estou falando aqui das brigas que valem a pena – pois, sim, existem brigas que devem ser brigadas de forma sedenta e incansável, mas é importante saber diferenciá-las.

Entre o Fernando imediatista e belicoso de antes, que tinha certeza de que 30 minutos a menos, ou um dia a menos, colocaria em xeque sua relação de paternidade – e o Fernando de hoje, aprendi muito e nem sempre de forma fácil.

A infância distante de Carlos não me fez menos pai.

Na verdade, apoiar sua mãe nas trilhas nem sempre simples de seu ofício acabou por construir uma relação de amizade e respeito que admiro muito e guardo com carinho dentre as coisas mais importantes que tenho.

A infância apartada de Letícia também não me fez menos pai.

Na verdade, me mostrou que sempre há tempo para reconstruções, e que novas pontes e memórias podem ser erguidas a qualquer momento, desde que haja amor e vontade para isso.

Se 2 anos, mais 3.5 mil quilômetros não foram capazes de me demover do posto sagrado de ser pai, nada mais é capaz. E isso trouxe paciência, compreensão e, principalmente, a plena e duradoura descoberta da importância da paz e tranquilidade para todas as partes envolvidas na vida de um filho.

Porque a raiva, a vingança, a briga e a guerra devastam qualquer campo fértil que haja ao redor – e, quando esse campo é a vida de uma criança, não há outra opção que não seja a perpétua e incansável busca pela paz, pelo perdão, o amor, o respeito e o convívio – e que tudo seja eterno, como são os sonhos dos filhos.

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