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Meu Avô Hélio, Pai do meu Pai, sempre foi apaixonado por pescaria, era visível a satisfação que sentia ao sentar-se na beira de um rio, com uma varinha de bambu na mão. Mas havia 15 anos que não pescava, recusava enfática e automaticamente todos os nossos convites. Então, após inúmeras tentativas fracassadas, meu irmão e […]

Meu Avô Hélio, Pai do meu Pai, sempre foi apaixonado por pescaria, era visível a satisfação que sentia ao sentar-se na beira de um rio, com uma varinha de bambu na mão. Mas havia 15 anos que não pescava, recusava enfática e automaticamente todos os nossos convites.

Então, após inúmeras tentativas fracassadas, meu irmão e eu, em conluio com um primo e um Tio que também possuem forte ligação com o velhinho, decidimos que o levaríamos de qualquer forma, mesmo que à força.

Meu Avô sempre foi um homem turrão e a essa altura da vida, já com seus oitenta e tantos anos, se tornara ainda mais irredutível em suas decisões. Era consenso entre nossa quadrilha – e até mesmo na família – que ao final ele nos agradeceria. Mas como colocar um senhor de idade, teimoso, mal humorado e com dificuldades pra se locomover dentro de um carro, e ainda por cima contra a sua vontade? Não havia escolha, a única alternativa possível era um sequestro.

O sequestro

 

O sequestro do meu Avô: um dia inesquecível - papodepai.com

Chegamos cedo em sua casa, com varas e tralhas escondidas, pra não levantar suspeitas. O convidamos pra ir até o mercado comer pastel, algo que ele sempre adorou. Ele aceitou, já meio desconfiado. Deve ter sentido que havia uma empolgação geral e fora do comum. “Se vocês estiverem me sacaneando, querendo me levar pro pesqueiro, eu abro a porta e pulo do carro”, ameaçou.

Pensamos em usar capuz e corda, mas preferimos mudar de assunto pra descontrair e acabou surtindo efeito. Fomos lembrando de nossas aventuras com ele e meu Pai, seu filho mais velho, já falecido. E parece que tê-lo colocado em contato com o seu passado fez com que sua confiança aumentasse. A essa altura ele já sabia que estava a caminho de um pesqueiro, mas não relutava e pra nós quatro aquele já era um dia inesquecível.

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Levamos uma cadeira de praia e almofadas pra que a vítima ficasse bem confortável. Fazia muito calor, por isso o colocamos sentado numa sombra, com uma varinha na mão e porções de lambari e tilápia à vontade. Nos redobrávamos pra que ele tivesse todas as suas necessidades atendidas e torcíamos pra que pegasse ao menos um peixe, ainda que fosse pequeno, pra matar a saudade dos velhos tempos.

A histórica batalha do meu Avô com uma carpa de 8kgs

 

O sequestro do meu Avô: um dia inesquecível - papodepai.com

O dia ia chegando ao fim e a despeito de todo o nosso esforço e torcida o velhinho ainda não tinha fisgado nenhum peixe. Então de repente sua varinha envergou, ameaçando quebrar. Estava claro que se tratava de um peixe grande, talvez o maior do dia. Ele pedia desesperado pra que o ajudássemos, mas pela primeira vez ninguém atendeu ao seu pedido. Em momento algum, apesar de todo o cuidado, o tratamos como se fosse menos capaz que qualquer um de nós. E não seria agora que faríamos isso. “Vai lá, Vô. Você consegue!”, foi o que dissemos. Veja como foi:

Esse momento fechou com chave de ouro nosso dia inesquecível. Meu Avô se sentiu novamente capaz, feliz, vivo. Ainda assim, sua felicidade, enorme que era, não foi maior que a minha, de meu irmão, meu tio e meu primo, pois pudemos ver nosso “Vô” Hélio voltando a se divertir e sorrir, superando as dificuldades dos seus quase 90 anos. Esse peixe foi o maior que ele já fisgou em toda a sua vida. E foi, provavelmente, o seu último.

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Pós-sequestro

 

O sequestro do meu Avô: um dia inesquecível - papodepai.com

Um ano após esse sequestro o levamos uma outra vez pra pescar. Ele não se recusou, mas sua saúde debilitada tornou as coisas ainda mais difíceis e não foi possível fingir que estava tudo bem. A memória já estava bem afetada, a fala e os movimentos muito mais limitados. Voltamos abalados por saber que não haveria outras pescarias e que nenhum outro dia com ele seria um dia pra não se esquecer.

Hoje, dois anos após o sequestro do meu “Vô” Hélio, fui com meu irmão visitá-lo novamente. Ele já não está mais em casa, está num hospital. Antes de subir pro quarto fomos advertidos de que ele não reconhece quase ninguém por conta do Alzheimer.

Tentamos em vão nos comunicar, sua voz quase não saía e era indecifrável o pouco que dizia. Sequer era possível saber se ele havia nos reconhecido. Então começamos a falar sobre pescaria. Mostramos a ele as fotos do dia em que o sequestramos. Dissemos que o levaríamos em breve pra outra aventura e ao falar sobre a porção de lambari ele imediatamente respondeu: “lambarizinho”. Foi emocionante! Era a prova de que nem mesmo seus graves problemas de saúde foram capazes de fazê-lo esquecer daquele dia.

Custo a acreditar que esse encontro tenha sido uma despedida. A gente sempre quer que tenha mais uma pescaria, mais um peixe, mais um dia. Mas a nossa vontade, infelizmente, nem sempre coincide com os desígnios da vida.

 

 

Essa é uma singela homenagem ao meu Vô Hélio, um dos Pais mais incríveis que já conheci em toda a minha vida.

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