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Não sei se vocês já viveram a terrível experiência de estar em uma UTI Neonatal. Eu já . Não desejo a ninguém esses dias de tremenda angústia e medo. Quando Íris nasceu, em junho de 2016, por uma série de fatores, acabou internada na UTI Neonatal da maternidade onde nasceu. Bicho… realmente não desejo isso […]

Não sei se vocês já viveram a terrível experiência de estar em uma UTI Neonatal.

Eu já .

Não desejo a ninguém esses dias de tremenda angústia e medo.

Quando Íris nasceu, em junho de 2016, por uma série de fatores, acabou internada na UTI Neonatal da maternidade onde nasceu.

Bicho… realmente não desejo isso a ninguém.

Imagina uma horda de pais chorosos e apavorados esperando a melhora de seus bebês, sentados em cadeiras de corredores, sem um segundo de paz nos pensamentos. Imagina um bando de profissionais lutando arduamente pela vida dos pequenos alheios.

Nos corredores de uma UTI Neonatal a gente escuta cada história, cada relato de luta, igual a essa que vou contar:

Tudo começou com um “Paizinho, seu filho não vai sobreviver”, a primeira coisa que ele escutou logo após o parto.

Imagina o cara ouvir aquilo no momento mais sublime da sua vida, depois de meses de ansiedade e felicidade, de mil esperas e aguardos, com mil planos já feitos.

A gravidez tinha sido boa, nada de estranho se revelou, mas, quando o bebê nasceu, não respirava.

Ainda na sala de cirurgia o bebê apresentou dificuldades. Foi ficando azulado, roxo, e a médica logo decretou a morte iminente por meio do “Paizinho, seu filho não vai sobreviver.”

A única resposta que Anilson conseguiu dar foi um sonoro

– Não vai sobreviver? VAI SIM!

Mas para onde correr na cidadezinha no interior do Pará, lá na distante Carajás, com hospital pequeno e sem especialista?

Para quem pedir socorro?

Anilson decidiu ser pai.

Desandou a ligar para todos os conhecidos. Falou com o gerente da empresa onde trabalhava, com o superior e até com diretor. Conseguiu uma UTI aérea pelo plano de saúde da Vale, tudo devidamente apressado pelos amigos, e correu para tentar salvar seu menino.

Na correria, embrulhou a criança roxa no primeiro pano que viu, pegou a Declaração de Nascido Vivo, umas poucas roupas do bebê e nada mais, e se mandou para o aeroporto minúsculo.

A esposa ficou na sala de operações, não podia voar ainda, pois recém aberta nas entranhas, com costura ainda sendo feita.

No bimotor que os trouxe a Belém, abraçado no filho cheio de tubos e agulhas, Anilson pensava

Como vai ser lá? Nunca nem saí da cidadezinha! Nunca estive na cidade grande, mas vou me virar. Ele vai viver.”

Ele diz terem sido as horas mais terríveis da vida dele.

Chegando em Belém, o menino foi direto para a UTI de um hospital de ponta, justamente onde estávamos nós, ninando nossa menina à distância.

O pai, que não podia ficar com a criança, foi colocado num hotel em São Brás, perto da rodoviária de Belém, na imensidão da Belém absolutamente desconhecida.

A rotina era massacrante. Chegava ao hospital às 07:00 e só partia depois das 21:00, quando não tinha mais força de ficar. O bebê, tão pequeno, nem podia ter acompanhante dormindo, então era o tempo em que Anilson voltava para seu quarto de hotel para não dormir, para só pensar no filho na incubadora.

Foram dias e dias em que habitou o corredor atrás de estar com o filho, de saber melhora ou piora, sempre mandando notícias para a mãe, ainda convalescente em Carajás.

Quando o conheci, estava perdido na cidade grande, tendo de ser forte pelo seu pequeno. No primeiro trajeto de carro, do aeroporto ao hospital [é pertinho], achou a cidade um mundo, maior do que jamais pôde imaginar. No dia em que teve que comprar coisas básicas para o bebê, foi andando até supermercado próximo [aqui do ladinho], e se perdeu. Desbravou as ruas com medo [Belém é violenta!], e também desbravou burocracias para registrar e cuidar da criança.

Dividindo o corredor e histórias, ajudei ele no registro do moleque que lutava, nascido na Serra de Carajás, registrado em Belém com a graça de Nicolas

Durante o tempo em que resguardou seu filho de longe, Anilson não leu, pouco comeu ou conversou, nem futricou no celular. No aparelho, ele só mexia quando recebia alguma notícia e informava a família em Carajás.

No mais, só ficava ali, sentado ao lado da porta da Sala 02, como se rezando pela recuperação do filho. E, apesar de tudo, bastava alguém se aproximar e ele se mostrava o homem mais alegre e gentil do mundo, papo inteligente e cativante, jamais esquecendo quem ele era de verdade.

Sobretudo, esperançoso.

Anilson viveu naquele hospital durante dias, perdido na cidade, fazendo-se fortaleza pelo seu pequeno que não ia vingar, o menino do “paizinho seu filho não vai sobreviver” que ainda ecoava em seus medos e seus pesadelos de forma constante.

Passados uns 15 dias a mãe foi liberada para viajar de avião. Novamente a Vale fretou um bimotor e, nem bem pisou em terra, a mulher ainda doida dos cortes correu ao hospital, para finalmente ver o filho.

Era preciso ver o menino seu, retirado praticamente morto do seu ventre, tão pequeno e já sentenciado, tão frágil como um sabiá.

Imagina nascer filho teu, expulso da barriga tua, e nem bem ouvir choro, só sentença de morte, e aí nascer a horrenda expectativa de só encarar a criança no caixão branco, na hora de dar de comer à boca da terra.

Imagina?

Pois não imagine.

Ver a criança viva era ver o oásis, o viajante seco. E, na secura, a mãe transbordou lágrimas que davam para inundar todo aquele deserto de dor em que vivia.

A mãe passou a jornada na correria, sempre apoiada por Anilson, que, naquele momento, já era conhecedor de muito. E fez tanto, andando de um lado ao outro, vendo filho e ouvindo médicas e enfermeiras, que acabou com forte sangramento ao final do primeiro dia.

Recebeu atendimento ali mesmo, num canto do corredor, de pé, mas seguiu ao lado do marido sem arredar do lado da criança.

Agora, eram dois quase perdidos na grandeza da cidade mundo.

E o menino, ninguém sabia bem do menino. Faziam exames e mais exames. Ora estava bem, ora morreria. Ora era grave, ora tinha sido somente um pequeno azar.

Mas, não vou ser malvado. Não vou alongar o drama, muito menos a conclusão. Depois de mais de mês Nicolas recebeu alta.

Respirou.

Vingou em vida.

Eu estava lá no dia, também esperando a alta de Íris. Os pais ficaram longos minutos no corredor do hospital somente admirando a criança, agora, da cor de gente.

– Paizinho, seu filho não vai sobreviver…

– Não vai sobreviver? VAI SIM!

Havia um pai ali. Lutou a luta boa, a única possível de ser lutada naquela situação.

E viveu o menino, e voltaram todos para a cidadezinha que é pequena, mas é mundo deles – e eles são maiores do que o próprio mundo todo.

Ainda mantive contato com eles por longo tempo, via WhatsApp, trocando notícias de nossos filhos, mas, depois, o mundo nos sumiu. Acho que mudou de telefone, mas sei que estão bem.

Só sei que, com a força que eles têm, estão bem.

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