10 minutos de leitura

“Oi papai (posso lhe chamar assim?), como o senhor está?Espero de coração que esteja bem, porque eu……bom, eu confesso não estar muito legal Poxa, faz tanto tempo que estou esperando por você, sabia? São tantos anos longe de alguém que pouco vi, mas que acabei amando sem nem saber o real motivo. Por que será […]

“Oi papai (posso lhe chamar assim?), como o senhor está?
Espero de coração que esteja bem, porque eu…
…bom, eu confesso não estar muito legal

Poxa, faz tanto tempo que estou esperando por você, sabia? São tantos anos longe de alguém que pouco vi, mas que acabei amando sem nem saber o real motivo. Por que será que a gente ama quem não ama a gente, né papai? Eu amo tanto o senhor, mas tenho tanto medo de que o senhor não me ame ou nem saiba quem eu sou…

Tenho medo demais de que essa distância possa acabar com este sentimento maravilhoso que tenho por ti, porque vejo ele como algo tão puro e verdadeiro dentro de mim. É um tipo de sentimento criado por Deus, por isso ele impregna na alma e por mais que tentemos nos desvincular, ele está sempre aqui ardendo em nosso peito. E até por ser algo provindo da divindade não consigo imaginar que exista alguém capaz de desprezá-lo ou simplesmente fingir que ele não existe, não é mesmo?

Sonho com o dia em que vou sair da escolinha e o senhor estará lá na porta com um algodão doce e um sorriso largo para me buscar. Às vezes, vejo meus amiguinhos reclamando da reunião de pais e aí eu também reclamo para não ficar excluído no grupo. Mas, no fundo no fundo, o que eu queria mesmo era ter um papai presente na minha reunião. Sou um bom aluno e pretendo ser uma criança que sempre dará orgulho a você e a mamãe. Eu me empenho demais na escola, papai. Porém, não me sinto motivado em tirar ’10’ nas matérias se as pessoas que mais amo não enxergarem meu esforço em levar um pouco de alegria lá para casa. A mamãe trabalha e também não pode ir às reuniões, então, ela passa na escolinha depois e conversa de forma particular com a professora. Mas nunca é a mesma coisa…

Papai… queria contar um negócio pra você e espero que goste: minha turma na escolinha fez uma apresentação especial para o Dia dos Pais. Foi um teatrinho simples, mas emocionante, e que teve bastante aplauso. Quando acabou a peça e todos descemos do palco, meus amigos foram abraçar os pais orgulhosos e eu dei um abraço apertado no meu titio, que saiu mais cedo do trabalho e foi lá prestigiar meu ‘show’. Entreguei ao meu tio também um cartãozinho que fiz de todo coração. Neste cartãozinho tinha o senhor e eu desenhados, além de uma mensagem que escrevi. Embora eu não me lembre direito do seu rosto, já vi algumas fotos que a mamãe mostrou tempos atrás.

Meus amigos sempre perguntam: “Por que você não tem pai se ele não morreu?” Bom, eu nunca sei o que dizer a eles, aí mudo de assunto. Eu busco respostas para isso também…

Papai, eu queria muito andar de skate com o senhor na pista da pracinha que tem aqui perto de casa. O senhor promete andar comigo quando voltar? Estou andando super bem, o senhor vai ver… Se um dia vier de surpresa, acho que vou tentar colocar tudo em dia com o senhor sem lhe dar sossego rsrs… Tudo o que eu vejo os pais dos meus amigos fazerem com eles há anos – e que sempre tive vontade -, farei contigo: abraçar, beijar, empinar pipa, brincar com bolinha de gude, rodar pião, subir nas árvores, pular muros, jogar bola no portão da garagem de casa fazendo as traves com Havaianas… ai ai… que sonho isso tudo… você não sente a mesma falta, papai?

Hoje, a mamãe tem um namorado super legal e de quem eu gosto bastante porque as vezes ele me agrada comprando sorvete. Mas confesso querer muito que você e a mamãe fiquem juntos de novo apenas para eu ter a sensação de passar alguns dias especiais ao lado do senhor, meu pai. Imagina só que legal a gente se divertindo juntos no Dia dos Pais, no Dia das Crianças, em meu aniversário (e também no seu), no Ano Novo e até no Natal, brincando de amigo secreto?

Nossa, acho que tudo seria mais completo se você estivesse com a gente. Por mais legais que pareçam ser as datas festivas, sempre tenho a sensação de que falta algo… é a sua falta que eu sinto, pai… nunca se esqueça disso. Se você conseguisse ter a dimensão da falta que faz em minha vida, com certeza pegaria o telefone e me ligaria hoje mesmo.

Creio que, o amor que os filhos sentem pelos pais, seja um dos únicos (pra não dizer o único) que vem desde que estamos na barriga da mamãe. É uma pena descobrir que o contrário nem sempre acontece, ou seja, que também somos amados desde que estamos na barriga da mamãe.

Até porque, nós, bebês ou crianças, criamos um laço especial de carinho por vocês mesmo sem saber o que virá em troca, pois, ao contrário dos adultos, não são coisas materiais que nos comovem. Amamos simplesmente por amar, e ponto.

Fico entristecido em saber que os adultos não amam de forma pura ou quando não há algo para receber em troca.

Sabe papai, às vezes não dá vontade de crescer. Quero tanto poder amar infinitamente quem me ama. Quero tanto poder ter um filho um dia e poder amá-lo de forma incondicional, independente da relação que eu tiver com a mãe dele.

Mas olhando a realidade do mundo ao qual vocês me colocaram, tenho pavor de ficar adulto e abandonar meu filho também. Não quero isso jamais, nem para ele e nem para mim… Só eu sei o pesadelo que vivo quando estou no meu canto, sozinho, com dor, precisando de afeto…

Hoje sou um menino de oito anos que tem sido educado pela mamãe e pela vovó. A mamãe está bem. Pelo menos é o que eu acho, já que ela nunca parece estar triste. Na verdade, eu sei que ela fica triste, mas pra mim ela apenas sorri e diz que tudo vai melhorar pra gente. Ela é meu refúgio e minha segurança. A mamãe é muito forte, papai. É uma guerreira e sou muito orgulhoso em ser filho dela. Meu sonho de vencer na vida é simplesmente por saber que terei chances de dar a ela uma vida melhor na velhice.

Inclusive, nunca vi a mamãe falar mal de vc e também a admiro neste aspecto, afinal, ela conquista o meu amor de forma natural e não precisa me jogar contra você para isso, pelo contrário. Ela sempre faz questão de dizer que você é meu pai e devo sempre respeitá-lo como qualquer outra pessoa. Quando se refere ao senhor, minha rainha apenas diz que meu papai foi embora depois que a relação terminou e que na época eu tinha dois aninhos. Minha mãe é outro nível, papai. Um exemplo de fé, de luta, de amor e superação. O lugar dela é cativo aqui no meu coração e não há nada nessa vida que possa mudar isso.

Papai… sabia que a minha mãe sempre fala de mim com orgulho para as amigas dela? Ela diz que eu sou um menino educado, inteligente, enfim, enche minha bola rsrs… Fico tão feliz em ver que ela tem orgulho de mim. Queria tanto que você também tivesse um dia…

Sou uma criança tranquila e procuro não ficar pedindo dinheiro à mamãe porque sei que as coisas estão difíceis, né? Sei disso por ver no jornal que estamos em crise e também porque nunca sobra dinheiro para comprar um salgadinho pra mim.

Ah, papai… tenho tanto assunto legal pra te contar. Por exemplo, tirei 9 em matemática essa semana, acredita? Estou radiante com isso, pois me esforcei o dobro estudando sozinho em casa, já que a mamãe estava ocupada e não tinha ninguém para me ajudar com a tarefa. Estou lhe contando porque pensei que você também ficaria se soubesse do meu esforço.

Por outro lado, de vez em quando acontece algo estranho comigo, papai. Algumas vezes me pego chorando no banho, as vezes na hora de dormir e também na perua quando estou indo à escolinha. O pior é que tudo geralmente começa sem motivo algum, será que isso é normal? Não sei o porque dessa tristeza, pois sou apenas uma criança de oito anos e vejo que pra mim tudo deveria ser diversão e brincadeira, concorda? Será que essa angústia tem relação com a falta que sinto de você, meu paizinho? Eu não tenho ninguém para contar o que está guardadinho aqui na alma e sei que, não importa quem apareça para me ouvir, eu queria mesmo era dividir isso com o senhor por saber que teria bons conselhos de como faço para passar ileso pelas armadilhas da vida.

Olha, papai… eu te amo muito ainda, mas as vezes bate uma tristeza tão grande (que não conto a ninguém). Queria muito entender o motivo do meu abandono, qual justificativa tem essa faca que o senhor pregou em meu peito. Ela existe? Existe justificativa para se abandonar um filho? Juro que gostaria de entender o que eu fiz de tão ruim pra você nunca mais querer saber de mim, ou ao menos de importar se estou morto ou vivo, se no inverno passo frio, se tenho comida no prato ou até mesmo se conseguimos comprar lápis e caderno para que estude e tente ser um humano melhor futuramente.

Nunca precisei de muito para ser feliz e, apesar disso, o senhor também nunca se esforçou ou ofereceu o mínimo que fosse para ver se eu era capaz de sorrir e correr de braços para o teu colo (com você agachado me esperando).
Apesar de não perder a esperança, dia após dia eu tento me conformar que nosso reencontro poderá nunca acontecer devido tanto silêncio que ecoa neste mundão que nos separa.

Eu queria encontrar o senhor, mas sou uma criança e confesso nem saber por onde começar. Estou crescendo e, aos poucos, conhecendo a vida de uma forma muito dura, infelizmente. O senhor não tem me preparado para encarar as adversidades ou me ensinado em como levantar depois de uma queda.

O que vejo sempre é adulto dizendo que minha geração vai sofrer demais e que vou ter que me virar (sozinho!). Como é horrível estar sem a base do meu pai, sem suas asas, sem sua proteção, sem a sua segurança, sem o menor carinho que seja, sem teu ombro amigo… é isso, um amigo… apenas o que eu preciso agora… um amigo…
Tenho minha mãe sempre comigo e não há o que reclamar dela por todo amor que a gente troca diariamente.

No entanto, meu pai nunca está lá para comprar o carrinho que todos os dias fico namorando na vitrine da loja próxima à escolinha, ou até mesmo para segurar minha mão no pronto socorro cada vez que fico doente.

Papai… para finalizar essa carta que escrevi com muito custo – e que acabei molhando a folha com pelo menos três lágrimas que escaparam durante o relato -, queria pedir sinceras desculpas por ser teu filho. Aceite-as de coração. Deve ser muito ruim ganhar um presente e não gostar dele, né? Deus lhe presenteou comigo e você simplesmente abriu mão e me deixou à própria sorte ainda bebê.

Se eu pudesse escolher, certamente pediria pro papai do céu me dar outro papai, porque aí você não ficaria com esse fardo de ter um filho ou de precisar amar alguém que não deseja. Sei que, por mais que você fique longe de mim, sempre será lembrado por Deus que tem um filho por aí, e embora eu não ache que deva sentir isso, às vezes tenho sentimento de culpa por achar que estou atrapalhando a vida de alguém.

Dia desses um adulto me disse que, embora divino, o amor é como uma semente. Segundo ele, depois de semeado por Deus em nosso coração, ele deve ser regado para que se desenvolva e se fortaleça. O amor por ninguém vem de forma gratuita e se a pessoa não lutar por mantê-lo vivo, ele pode morrer.

Nossa, fiquei tão assustado com isso, papai. E se for verdade o que este homem me disse? O amor que tenho por ti vai acabar então? Não desejo que isso aconteça. Acho que já perdi o senhor na minha vida real, mas não quero que o senhor morra em meus sentimentos também.

Um dia vou me formar em uma faculdade, um dia vou conseguir meu primeiro emprego, um dia vou entrar na igreja com minha esposa, enfim… tanta coisa que eu ainda tenho para viver, né? Quero que você se lembre de que nunca é tarde para reaver um erro e/ou recuperar o amor de alguém, principalmente de um filho. Espero que o senhor possa ler minha carta onde quer que esteja, reavaliar tudo isso e, quem sabe, me deixar subir finalmente em seu ‘cavalinho’.

Ainda dá tempo, papai… ainda dá tempo… mas a vida é tão curta… não desperdice os melhores momentos…

Quero sinceramente que siga teu rumo de forma abençoada e, principalmente, que Deus me proteja e me guie.”

Ass:

Filho abandonado pelo pai, aos 8 anos de idade

Seja o primeiro a comentar!

Deixe um comentário

Conteúdo Relacionado

Nossos Parceiros