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Desde que as medidas de isolamento tiveram início, meu filho está afastado da sala de aula. A escola, na intenção de garantir a continuidade dos estudos, passou a encaminhar conteúdos, vídeoaulas, exercícios e a solicitar a nossa participação em encontros on-line. No começo, tudo era diversão mas percebi que não possuo as competências e as habilidades […]

Desde que as medidas de isolamento tiveram início, meu filho está afastado da sala de aula. A escola, na intenção de garantir a continuidade dos estudos, passou a encaminhar conteúdos, vídeoaulas, exercícios e a solicitar a nossa participação em encontros on-line.

No começo, tudo era diversão mas percebi que não possuo as competências e as habilidades necessárias à formação escolar de uma criança em tenra idade.

Foi então que surgiu o estresse: meu trabalho em home office, os cuidados com a outra filha (de 9 meses), as inconstâncias emocionais da minha esposa, minha insegurança com o futuro.

Confesso que houve um momento em que pensei: “vou cancelar a matrícula desse menino e aguardar o retorno das aulas presenciais”. Seria um problema a menos. Afinal de contas, 2020 parece ser, de fato, um ano perdido.

Na condição de advogado, comecei a refletir sobre as consequências do cancelamento da matrícula escolar de uma criança em fase de alfabetização.

O texto constitucional é claro ao dispor que a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família. Ora, se eu, no exercício da paternidade, cancelo a matrícula, mitigo o direito do meu filho e, ao mesmo tempo, me furto de uma obrigação.

O abandono material

O Código Penal prevê, no artigo 246, a responsabilidade criminal para aquele que “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar”. Nessas condições, comete crime o pai (ou a mãe) que deixar de prover (providenciar ou fornecer) à instrução primária de filho em idade escolar (atualmente obrigatória dos 4 aos 17 anos, nos termos do artigo 208, inciso I, da Constituição Federal).

Mas há um aposto na redação do artigo, uma informação importante destacada pelas vírgulas: “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária”! Seria a pandemia uma justa causa? Seria a minha inabilidade para a alfabetização uma justificativa para evitar o abandono intelectual?

Cada caso é um caso. Vai depender do exercício argumentativo do profissional que quiser excluir o crime daquele que se esquivou do compromisso com a educação de seu filho.

Confesso que não tive coragem de cancelar a matrícula de meu filho. Aliás, depois do longo processo de reflexão decidi estudar um pouco mais sobre a alfabetização e sobre a aquisição da linguagem.

Compreendi que a efetiva educação, de acordo com a Constituição Federal, é aquela que busca a formação plena do indivíduo, o seu preparo para o exercício da cidadania e a sua qualificação para o trabalho.

Talvez ele não aprenda a ler e a escrever comigo, mas se perceber meu esforço de pai já terá valido a pena.

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